O USO TERAPÊUTICO DE NARRATIVAS COMO ALTERNATIVA À PATOLOGIZAÇÃO E À MEDICALIZAÇÃO DE SOFRIMENTOS

O presente ensaio aborda a potência do uso terapêutico de narrativas na clínica psicológica infantil, apresentando um método de trabalho que vai na contramão da patologização e medicalização de sofrimentos, as quais vêm silenciando tantos sujeitos no mundo contemporâneo. Para tanto, faz-se uma breve discussão sobre a estrutura e os efeitos da narrativa, com base em contribuições do psicanalista Gilberto Safra, inspirado pelo pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott. Em seguida, detalham-se os fundamentos e o método de trabalho clínico de Gilberto Safra, que há cerca de quatro décadas vem apostando na criação e narração de histórias como forma de produzir eficácia terapêutica junto a crianças em sofrimento e seus familiares, em um curto espaço de tempo. Apresenta-se uma síntese das bases e o passo a passo deste método de trabalho clínico breve, para em seguida, apresentar um caso de intervenção descrito pelo autor. Antes, porém, aborda-se o solo espistemológico no qual o uso terapêutico de narrativas pode figurar-se como prática clínica alternativa a modelos que patologizam e medicalizam sofrimentos, uma vez que ele opera com uma lógica compreensiva, não reducionista e compromissada em contextualizar a criança e seu sofrimento em realidades tão complexas quanto singulares, atravessadas por questões (inter)subjetivas, familiares, ancestrais, sociais, entre outras. Faz-se, ainda, uma aproximação entre esta modalidade de trabalho e a discussão sobre a eficácia simbólica debatida pelo antropólogo francês Claude Levi-Strauss ao analisar o povo cuna, o que sugere uma convergência de horizontes clínicos que orientam as práticas do xamã e do psicanalista. O ensaio pretende apresentar resumidamente e instigar a leitura da obra de Gilberto Safra intitulada “Curando com Histórias - A inclusão dos pais na consulta terapêutica das crianças”, em 2005.