NEGROS, BRANCOS, INDÍGENAS E MESTIÇOS DE “CORAÇÃO FRANCÊS”: GARIMPANDO ELEMENTOS PARA UMA HISTÓRIA (IN)DISCIPLINADA DA REPÚBLICA INDEPENDENTE DO CUNANI

O texto toma à análise elementos da história e memória da comunidade afro-indígena de Cunani, localizada na faixa de fronteira historicamente contestada pelas repúblicas brasileira e francesa, nos limites da Amazônia caribenha, atual município de Calçoene/AP/Brasil. Situada a meio caminho entre as fazendas da província do Grão-Pará e a faixa costeira da antiga Guiana Francesa, a região experimentou fluxo intermitente de pessoas negras fugidas do escravismo brasileiro entre os séculos XVIII e XIX, que intentavam chegar a uma Guiana supostamente abolicionista. É fato histórico que em 1885 Benito Trajano e Raimundo Nonato, dois homens negros amazônicos, declararam fundada a República do Cunani/Gaunani ao hastearem a bandeira de inspiração franca na porta de seus casebres. Perseguindo memórias e textos referentes ao atual Quilombo do Cunani, busca-se um entrecruzamento entre a metodologia de investigação etno-histórica e a consulta a referências da imprensa de época, (re)compondo relações e discursos racializados que uniram afrodescendentes e indígenas a colonizadores franceses, na fundação da efêmera república amazônica. As publicações de época demonstram as ambiguidades que caracterizavam a disputa territorial entre franceses e luso-brasileiros, bem como as práticas predatórias e racistas que municiavam a contenda, demonstrando a tensão constante entre a memória autóctone e a versão colonizada da história da Amazônia.